Noite, noite. Bem, bem.

Terto
2 min readMay 10, 2017

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Como que vem? Tá com as tripas aí? Tá com o fôlego aí? Tá com sangue nozói? Roubaram tua camisa e teu país? Que fase. Dói, não dói? Eles passaram, não é verdade? Passaram o rodo, a vara, a mão, meteram o taco, tomaram o vinagre. Diacho. Disgraça. Alguém sobrou sem rachadura no crânio? Sem mão decepada? Sem nada? Ah lá os covardes sem cova, desova resto de gente no mato, mas não tem estômago pra dividir o pão, o prato. Ô praga, ô miséria, ô glória. Eles querem Senzala de pé e índio no chão. Não, nada está bom. E não há mais tempo pra festa da democracia, essa pimenta dá azia, sorte de quem se vicia, azar de quem se amacia, tem chance de discutir a loucura na carnelouqueria, enquanto sua carne sangra em plena luz do dia, inunda a cidade da margem pro centro, tá me entendendo? É da margem pro centro. Tudo em seu tempo, bilionários contando segundos por cabeça, entregues de bandeja no fim da feira dos direitos, nos sobraram as cinzas, nos faltaram cinzeiros, de tanto pó-ao-pó que se respira, a bala perdida sempre tem endereço, no peito de quem descobre cedo, cedinho, que não tem mais jeito. De tanto ceder, não há mais jeito. Ajeite seu cinto, sem luta não há respiro, mas sem respiro não há luta, haverá luto sim, todos os dias. Pois onde se ancora medo é que se abunda coragem. Mesmo invisível-coragem, mesmo invencível-medo. Noite, noite. Bem, bem. Como que vem? Tá com sangue nozói? Que fase. Dói, não dói?

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Terto

Autor dos livros "Marmitas Frias" (crônicas, ed. Lamparina Luminosa, 2017), e de "Os Dias Antes de Nenhum" (contos, ed. Patuá, 2019).