FUTUROS

Terto
2 min readJan 30, 2020

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Nesse momento vários futuros possíveis te disputam. Vários futuros disputam a humanidade. Vários próximos anos. Vários próximos dias. Vários próximos minutos. Tem um minuto logo ali que quer te matar embaixo das rodas de um Honda Civic. Ele está numa treta agora com o minuto que quer existir nesse mesmo tempo para te fazer receber um presente. Outros minutos pulam em cima querendo acabar com uma amizade, te arrumar um novo emprego, te dar uma nova cicatriz no joelho, te fazer achar R$ 5 reais no chão do ônibus, perder um olho, ter uma ideia que vai mudar sua vida. Só um deles sobreviverá dentro dessa realidade. É difícil medir isso, essa unidade,

a existência de um instante.

Esse instante que você me lê não significa só a vitória desse momento, mas também o fracasso de todos os outros momentos que eram possíveis nesse segundo aqui — e que acabou de passar.

Por isso é um honra ter existido aqui, nessa micropoeira de tempo da sua vida. E é óbvio que você nunca mais vai lembrar disso. Mas o esquecimento é importante também para liberamos essa carga, esse peso, que é ser alguém que nunca mais poderá ser recuperado.

Todo mundo é irrecuperável.

Se você pensou em seus amigos, família e gente importante pra você, sim. Mas entenda que você também é irrecuperável para elas e para qualquer pessoa no mundo. Tem quanta gente que já te viu pela última vez na vida?

Ex-colega de trabalho, ex-amigo de adolescência, ou simplesmente as centenas de pessoas que a gente vê por aí direto.

Ou um vizinho, ou um primo, ou alguém que mora dentro da sua casa.

Gelou, né?

Pois é. A gente vive pelas coisas e pelos instantes sempre preocupados com os futuros que não se formaram, e pior ainda, projetando eles no passado, na fragilidade de uma lembrança.

Exceto aquelas vezes, poucas vezes, se é que teve mesmo, mas vamos dizer que sim, vezes em que a gente realmente existiu no instante e construiu algo que irá além da lembrança ou da memória.
Construiu uma experiência. Que é tão forte que não há o velório pelos futuros não concretizados, porque você se sente dentro do melhor dos futuros.

Então é isso. Eu tô pensando que vai ver que é quando a gente entra nessa disputa que os melhores instantes ganham força para existir.

Ou só estou feliz porque achei R$ 5 reais no chão.

Que fase.

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Crônica “Futuros” do meu primeiro livro, Marmitas Frias (2016).

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Terto

Autor dos livros "Marmitas Frias" (crônicas, ed. Lamparina Luminosa, 2017), e de "Os Dias Antes de Nenhum" (contos, ed. Patuá, 2019).