Tem a solidão que domingo de manhã joga farelos na praça pra se cercar de outras coisas vivas.
Tem a solidão que arrisca um sorriso pro balconista da padaria.
Tem a solidão que está super feliz em escolher uma poltrona só no cinema.
Tem a solidão que no fim do filme sente falta de ter com quem comentar.
Tem solidão que te acorda de madrugada com saudade de ter com quem dividir a solidão.
Tem solidão bonita, como um deserto prestes a anoitecer. E tem solidão bagunçada, com a louça suja de 5 dias transbordando da pia. Tem solidão que transborda em páginas, instrumentos musicais e muros. Solidão, que poeira leve, como canta Tom Zé.
Solidão de paletó, de uniforme, com a cara cheia de rugas, com a cara cheia de espinhas, com a cara do pai, da mãe, solidão com a foto no mural de funcionários do mês. No altar, no pódio, embaixo da ponte.
Tem a solidão do guarda-chuva pequeno que te garante abrigo no meio da chuva.
Tem a solidão do foguete espacial, Yuri Gagarin em 1961 olhando esse nosso ponto solitário do universo e dizendo “A Terra é azul”.
O azul que a Terra emitiu em 1961 existiu apenas nos olhos do astronauta. E esse azul também foi um tipo de solidão, a da testemunha solitária.
Aqui embaixo, de lá pra cá o mundo foi ficando cada vez mais colorido e ao mesmo tempo mais cinza. E nossas vidas cada vez mais coloridas e cada vez mais cinzas.
Nossos aparelhos emitem milhões de cores, mas não devemos nos esquecer, a pele humana também é touch. Os olhos humanos também são screen. Nosso coração também é portátil.
E nossa capacidade de sentir as coisas é nossa tecnologia mais poderosa. Sentir o tempo e as emoções. Sentir as distâncias e sentir as ausências.
Porque entendemos a ausência, entendemos a presença. A dos outros e a nossa.
Na verdade todas sendo uma coisa só, um ponto azul no escuro infinito.
Talvez, quando os cientistas emitem sinais de rádio e sondas espaciais para o espaço, seja a Terra jogando seus farelos para o universo, enquanto se senta numa praça na manhã de domingo pra se cercar de outras coisas vivas.
— — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — -
(texto escrito originalmente para introdução do podcast Mamilos #195)